Publicado em: 15 de novembro de 20212.8 min. de leitura

Não gosto muito do sabor do café. Ele às vezes cai com tudo no meu estômago, me deixa ansiosa e atrapalha meu sono quando resolvo tomar no fim da tarde. Mas existe algo inexplicável nessa bebida, que me leva para um lugar extremamente confortável. O sabor amargo se mistura à doce sensação de nostalgia. Café me transporta pelos anos, me faz voltar no tempo, repensar a vida. É a súplica por uma pausa. Um respiro na mente.

Café da tarde é uma viagem até a casa da minha vó materna. Naquele tempo em que eu ficava a tarde inteira na casa dela.  Ela tinha o costume de misturar café com leite no bule, assim já ficava prontinho para beber. Era um cuidado tão simples, mas que dizia muito sobre sua dedicação e amor pelos outros. Meu avô, um homem de quase 2 metros de altura, tomava a mistura como se fosse água. Na casa dela não faltava café da tarde e bolachinhas de coco com açúcar cristal guardadas em um pote de vidro. Aliás, meu marido me ganhou assim. A primeira vez que eu pisei na casa dele, vi uma mesa de madeira igual aos dos meus avós. Ele fez chá mate, pegou um pote de vidro com biscoitos de chocolate (aqueles em formato de rosquinha) e me ofereceu. Era como se eu estivesse na casa da minha vó. Nessa hora tive a certeza de que ele era o homem da minha vida. Eu me senti em casa.

Chá mate com bolacha. Éramos muito radicais. Provavelmente, meus pais imaginavam que eu estava em uma festa, com drogas e casais transando na sala. A única droga era aquele biscoito cheio de conservante, aromatizante, corante e açúcar. Aquela porcaria deliciosa.

Café também lembra meus avós paternos. Sempre tinha um cafezinho com bolo. Em nossas visitas, enquanto meu avô mostrava os remédios que o médico havia receitado, todos empilhados na mesa da cozinha, minha vó retirava o bolo do forno. O bolo já estava pronto, o forno era apenas uma espécie de estufa. Ela colocava as xícaras tranquilamente, sem pressa. Minha vó era assim, serena em tudo. Entre goles e fatias de bolo, meu pai falava alto com o meu avô. Ele era um pouco surdo e nunca conseguia ajeitar o aparelho auditivo no nível certo. Ele sentava na cadeira ao lado da porta do quintalzinho, perto da gaiola do papagaio. Até o papagaio aprendeu a tomar café. Ele também falava palavrão muito bem. Meu avô tinha muito orgulho do que havia ensinado à ave.

E café depois do almoço é coisa da minha mãe. Eu passei  32 anos ouvindo ela dizer aos atendentes de cafeterias: “Eu quero um café expresso com espuminha, mais café do que leite”. Sempre achei aquilo um pouco chato, porque muitas vezes o atendente se esquecia e ela pedia para voltar. Como tudo na vida, se você se irrita com algo, um dia você vai fazer igual. Ainda mais se for a sua mãe fazendo. Sim, hoje eu sempre peço café com espuminha. É como reproduzir orgulhosamente uma tradição de família.

Seja fraco ou forte. Com leite ou sem. No chocolate ou na canela.

Café aqui em casa é sempre aconchego e amparo das memórias.

 

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